domingo, 31 de julho de 2011

Enegrecendo a pauta da mídia paraibana

Por Mabel Dias

A feminista Sueli Carneiro, do grupo Geledés –Instituto da Mulher Negra, de São Paulo, afirma em um seus textos que o feminismo precisa enegrecer. Parafraseando esta ativista do movimento de mulheres negras do Brasil, digo que, além do feminismo, o jornalismo teria que também ser enegrecido.

Esta semana o movimento de mulheres negras celebrou o dia 25 de julho, estabelecido em 1992 durante o I Encontro de Mulheres Afro-Latinas Americana e do Caribe, realizado na cidade de Santo Domingo, República Dominicana, como Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha. A Bamidelê – Organização de Mulheres Negras na PB realizou debates com as fundadoras da organização, Solange Rocha e Efu Nyaki, e com Jurema Werneck, da Criola e da Articulação Nacional de Mulheres Negras, do Rio de Janeiro, além da exposição Visões Negras – simbologias, trajetórias e histórias que conta toda a caminhada da Bamidelê nestes 10 anos de existência.
Pois bem! Em nenhum veículo de comunicação foi falado sobre o dia 25 de julho e seu significado para as mulheres negras. Assisti a um dos jornais da TV local, afiliada a Rede Globo, e na escalada de noticias estava lá o dia do motorista – que também é comemorado nesta mesma data, entre outras informações diárias. Mas o Dia da Mulher Negra sequer foi mencionado.

Apenas um jornal impresso divulgou no domingo, véspera do dia 25, o release enviado pela assessoria de comunicação da Bamidelê, informando sobre as atividades que seriam realizadas durante esta semana que se finda.
Durante o debate do qual participaram Solange Rocha e Jurema Werneck, que falaram sobre a luta antiracista e antisexista na Paraíba e no Brasil, a professora de sociologia e integrante da Bamidelê, Vânia Fonseca, também trouxe esta reflexão: a falta de atenção da mídia paraibana sobre uma organização que tem 10 anos de existência e que vem promovendo ações significativas para promoção da identidade negra, combatendo o preconceito racial, bem como da ausência de atenção para o dia 25 de julho. Será que esta não é uma pauta importante? Será que este tema não rende um bom debate, um bom texto, uma boa noticia?

Sabemos bem que negros e negras na mídia paraibana, ao menos no vídeo, não existem. Nos bastidores, elas/eles estão lá, mas menos da metade se assume enquanto negra/o. Porque a pauta da mídia paraibana não está enegrecida? Porque negros/as são lembrados/as apenas quando se divulga um mapa da violência 2010, de maneira negativa? Para não ser injusta é importante lembrar que outro jornal impresso, aproveitando o recente censo divulgado pelo IBGE sobre a influência que a cor/raça desenvolve nas relações interpessoais, fez uma boa matéria enfocando este tema.

Não é apenas a ausência de atenção na mídia paraibana às ações positivas realizadas pelo movimento negro e de mulheres negras organizadas. O atual momento mostra, principalmente no rádio e na TV que é preciso, urgentemente, revermos o modo que está sendo utilizado pelas empresas de comunicação para noticiar um fato. A busca de audiência e do lucro tem promovido declarações e atitudes absurdas e inaceitáveis por parte de alguns locutores/apresentadores de programas policiais e políticos na Paraíba.

Uma importante iniciativa está sendo promovida pela Onu Mulheres e pela Federação Nacional de Jornalistas, que é um curso em gênero, raça e etnia voltada para a categoria. O curso será realizado em oito cidades brasileiras - Recife, Rio de Janeiro,Porto Alegre, Belo Horizonte, Fortaleza, Maceió, São Paulo e Belém. Através de ações como esta é possivel vislumbrarmos mudanças no exercicio da profissão de jornalistas na hora que forem cobrir atividades do movimento de mulheres e do movimento negro, e não reproduzam os estereótipos e preconceitos raciais, de gênero e sociais que permeiam esta sociedade.
Alguma coisa está fora de ordem e não pode ser tida como natural.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Poemas em homenagem a mulher negra, latino-americana e caribenha



As mulheres negras da diáspora africana celebram 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, como símbolo de (re)união e de (re)conhecimento mundial de suas histórias de vida guerreira, combativa e imprescindível à construção de um mundo solidário, multiétnico e pluricultural. Estas mulheres negras têm, em comum, vidas marcadas pela opressão de gênero, agravadas pelo racismo e pela exploração de classe social.

A escolha da data ocorreu no I Encontro das Mulheres Negras da América Latina e do Caribe, realizado na República Dominicana, em 1992. Estiveram presentes mulheres negras de mais de setenta países, com o objetivo de dar visibilidade à sua presença nestes continentes. No evento foi criada a Rede de Mulheres Negras da América Latina e do Caribe, para trocar informações, estreitar o relacionamento e realizar ações em conjunto.

O aprofundamento da aliança entre as mulheres negras da diáspora deu-se na III Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância realizada em 2001 na África do Sul. Neste cenário, a Articulação de Organizações Não-Governamentais de Mulheres Negras Brasileiras desempenhou um importante papel, reunindo organizações de mulheres negras de diferentes pontos do país e destacando-se na construção de propostas para a Conferência.

A data reforça a necessidade urgente da implementação de políticas afirmativas para as mulheres negras da diáspora, pelos países da América Latina e do Caribe. No Brasil, a maioria das mulheres negras é detentora de cidadania inconclusa. Estudo realizado pela pesquisadora Wania Santana, utilizando dados do Programa das Nações Humanas para o Desenvolvimento (PNUD) de 1999, demonstra que as mulheres negras brasileiras ocupam a 91ª colocação, entre 143 países, considerando o Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado ao Gênero - IDHG – que avalia a renda per capta, o nível de instrução e a expectativa de vida.

O Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha é mais do que uma data comemorativa, representa a luta pelo empoderamento das mulheres negras fora da África. Um mundo novo só será possível, quando as diferenças forem consideradas como riquezas e não utilizadas como sinônimo de inferioridade.


Viva Mulher Negra com os poemas-mulher:

- Divas são dádivas, de José Ricardo d´Almeida
- Mulher, de Roberto Delanne
- Eu-Mulher, de Conceição Evaristo
- Fêmea-Fênix, de Conceição Evaristo
- Mulheres negras, de Ana Maria Felippe
- Maria Tereza*, de Éle Semog


Divas são dádivas
José Ricardo d´Almeida

I
Divas são divinas
São dádivas trocadas

Divas são divinas
Porque são elos
Unem o sagrado ao profano

Divas são divinas
Dão em sacrifício
O que recebemos em prazer

Divas são divinas
Vivem em recolhimento
Sobre o nosso prazer

Divas são divinas
Divas são eternas

As divas são perenes
São mães, amantes, traidoras, e necessárias
Sem divas não seremos súditos
Sem musas não seremos poetas
Sem dádivas não seremos nada

II
Sem Lélia, Betinha, 1

Tantas divas subtraídas
Sem suas memórias cuidadas
Não faremos retribuições
Enfraqueceremos o mana*

Talismã, legado, fonte de riqueza
De única obrigação
Retribuir

"Nunca vi tão generoso
que o receber não fosse o recebido"**

* Elemento da honra e do prestígio que confere a riqueza e a autoridade em povos da Oceania.
** Adaptado do Havamal, poema Edda escandinavo. in Mauss, Marcel (1872-1950)
1 Referência às lideranças femininas negras Lélia Gonzalez e a Beatriz Nascimento
Julho de 2007 - José Ricardo d´Almeida - http://atabaqueblog.blogspot.com/


Mulher
Roberto Delanne

Será que é homem?
Talvez... pode ser...
O que não duvido
É do seu poder.

Porém, se não for,
Algo vai mudar.
A mente de todos
Vai-se transformar.

Já é de costume
O povo dizer
Que a força do homem
Detém o poder.

Contudo, a mulher,
Por ser delicada,
É quem suaviza
Esta vida malvada.

É dela que vem
A nossa bondade.
Com ela se tem
Toda felicidade.

Só ela possui
O dom de esperar
Que um filho à morte
Possa se salvar.

É ela quem tem
A fé e esperança
No filho que nasce
E na filha que dança.

Só ela transforma
A casa em lar
E a dor de um filho
Sabe confortar.

É ela quem diz
O caminho a seguir.
Só ela traduz
A missão a cumprir.

Foi ela que um dia
Um filho pariu
E tão desolada
Na prisão o viu.

Ela fica alegre
Se o filho vai bem,
Porém, fica triste
Se um filho não tem.

Foi ela que um dia
Seu corpo entregou
Ao dono e senhor
Que escrava a tornou.

Mas ela lutou.
Lutou pra morrer,
Pra salvar o filho
Que escravo foi ser.

E ela até hoje
Se sente em desgraça
Por ver a má sorte
Que tem sua raça.

Mas isto inda é pouco.
Tem mais, muito mais,
Ela é quase perfeita
Em tudo que faz.

O homem é bom.
Também é verdade,
Porém, não acaba
Com tanta maldade.

Se a força que tem
Soubesse usar
Não ia a guerra
Querer começar.

Se ele foi capaz
De tanta beleza,
Não ia querer
Acabar, com certeza.

Só sei que é homem
Por ouvir dizer...
Mas se for mulher,
Que vamos fazer?

Eu sei que é difícil...
Fale quem quiser...
Mas vou afirmar
Que Deus é Mulher.


Eu-Mulher
Conceição Evaristo

Uma gota de leite
me escorre entre os seios.
Uma mancha de sangue
me enfeita entre as pernas.
Meia palavra mordida
me foge da boca.
Vagos desejos insinuam esperanças.

Eu-mulher em rios vermelhos
inaugura a vida.
Em baixa voz
violento os tímpanos do mundo.
Antevejo
Antecipo
Antes-vivo
Antes-agora-o que há de vir.
Eu fêmea matriz
Eu força motriz
Eu-mulher
abrigo da semente
moto-continuo
do mundo.


Fêmea-Fênix
Conceição Evaristo

Navego-me eu–mulher e não temo,
sei da falsa maciez das águas
e quando o receio
me busca, não temo o medo,
sei que posso me deslizar
nas pedras e me sair ilesa,
com o corpo marcado pelo olor
da lama.

Abraso-me eu-mulher e não temo,
sei do inebriante calor da chama
e quando o temor
me visita, não temo o receio,
sei que posso me lançar ao fogo
e da fogueira me sair inunda,
com o corpo ameigado pelo odor
da queima.

Deserto-me eu-mulher e não temo,
sei do cativante vazio da miragem,
e quando o pavor
em mim aloja, não temo o medo,
sei que posso me fundir ao só,
e em solo ressurgir inteira
com o corpo banhado pelo suor
da faina.

Vivifico-me eu-mulher e teimo,
na vital carícia de meu cio,
na cálida coragem de meu corpo,
no infindo laço da vida,
que jaz em mim
e renasce flor fecunda.
Vivifico-me eu-mulher.
Fêmea. Fênix. Eu fecundo.


Mulheres negras
Ana Maria Felippe
2006

Ah! mulheres negras
essas impressionantes
sempre a importar a mais funda ancestralidade!

Ah! mulheres, úteros de verdades
tamanhas!
Geração de vida permanente
junto ao silêncio da profusão de cores das formas de vida!

Ah! mulheres-esteio! Sois marcas do fundamento da humanidade
desde África
se espraiando por um planeta sem sentido
onde dar depende do que se tem de volta!

Ah, essas mulheres, essas negras
veludos de conforto e aflição.

Ah! mulheres, velhas mulheres negras
portando a sabedoria do porvir
que não perdoa
aqueles que não se fazem irmãos!!!


Maria Tereza*
Éle Semog

Mandaram um baixo caô pra Maria Tereza,
que eu fui no samba do Império Serrano
e me arrumei com uma cabrocha daquelas
quem via pensava: ele é o cara, é o dono.

Inocente, cheguei à tardinha em casa
com pão fresco, Mineirinho e mortadela
Maria Tereza de bico assim, emburrada
e nada, nadinha de nada nas panelas.

Pensei, a negra tá naqueles dias,
melhor não falar, ficar na minha,
mas o quê, de repente ela aloprou
e começou com aquela ladainha.

Deu-me uma sugesta da pesada,
um zum, zum, zum, só baixaria,
que nenhum malandro da antiga
garanto, duvido que agüentaria.

Perguntei meio no sapatinho,
o quê que houve minha preta?
- vai tomar dentro daquilo,
seu traidor, escroto, capeta!

Saí na boa pra refrescar a cabeça,
beber uma pinga e umas cervejas,
jogar uma purrinha, ou carteado,
e me esquecer de Maria Tereza.

Na roda, senti uma dor no peito,
pensei: ih! Capa Preta me pegou,
vou pra casa, já é, não tem jeito,
mas no caminho a dor quebrou.

Teteca, que é crente, abriu
o meu patuá, minha magia,
e aquela dor foi só um aviso
de alguns orixás ao meu guia.

Acendeu o brinde, meu charuto cubano,
deu dois de onda e apagou na privada
e perguntou quem era a cadela, a vaca,
que me esfreguei no Império Serrano.

Ah... então o escarcéu é por isso!
Teteca, minha jóia, meu sonho,
só você linda é o meu compromisso,
vamos juntos ao Cacique de Ramos.

O elefante da sala, de bunda pra rua,
que a gente tem contra mau olhado,
parecia que era uma bala perdida...
Teteca me acertou bem desse lado.

Levei oito pontos no quengo
fiquei duas horas desmaiado.
Meto umas porradas na negra...
não, fui dar queixa ao delegado.

Há muito tempo que Maria Tereza
está um doce, uma flor sem igual,
assinou um 129, lesões corporais.
Qualé? esculachar a minha moral!

Na verdade eu retirei a bronca,
mas ainda não contei pra ela,
faz de conta que me deu alforria
para eu ir nos pagodes da Portela.

* poema inédito, do livro “Melanina da Pura”

** Texto extraído de Maria Mulher - Informativo Ano 02 - Nº. 13 - 25 de julho de 2005 - Porto Alegre – RS

terça-feira, 12 de julho de 2011

















O cúmulo do humor negro é o sensacionalismo!


Flávio Roberto Sobral Delgado



Dedico este post a Lady Spectrum, em referência ao texto "Diversão", publicado em seu blog.




Socióloga lança livro sobre mulheres e loucura

Por Mabel Dias

Eleonor Silva é internada em um hospício após ter matado o marido. Neste local, ela escreve um livro, onde cada poesia é uma mulher e um mundo onde se precisa defender um gênero para não cair numa sexualidade que estigmatiza, fragiliza cada aspecto do ser diferenciado.
Esta é a principal história que norteia o livro Noor em Nós, da artista e socióloga, Bartira Dias. “O livro trata de esboços da vida de muitas mulheres subtraídas pela incoerência deste mundo capitalista”, explica a autora.
O livro encontra-se a venda nas livrarias Arte e Ciência e na Cultura, na cidade de Fortaleza. Mas é possível adquiri-lo pelo correio. É só enviar um email para Bartira, no endereço bartira_albuquerque@yahoo.com.br e solicitar seu exemplar.
O livro de Bartira Dias lembra a peça Hysteria, do grupo XIX de teatro da cidade de São Paulo. Na peça, que é baseada na pesquisa de documentos de hospícios femininos do século 19, quatro mulheres estão trancadas em um manicômio. São elas: M.J, Hercília, Clara e Maria Tourino. Esta última, assim como a personagem Eleonor Silva, também mata o marido após viver em uma relação de total submissão. Cada personagem conta uma história das mulheres do século 19 que eram encerradas em manicômios para “tratar de suas histerias”, que naquela época era considerada uma doença tipicamente feminina. Mas, se consultarmos o dicionário Aurélio hoje, encontraremos a seguinte definição da palavra histeria: “afecção mental cujos sintomas se baseiam em conversão, caracterizada por falta e controle sobre atos e emoções, ansiedade, sentido mórbido de autoconsciência, exagero do efeito de impressões sensoriais e por simulação de diversas doenças.”
Vale a pena conhecermos a história destas mulheres e de suas loucuras para podermos compreendê-las, e assim exercitar a solidariedade entre nós. De fato. As mulheres loucas, podemos dizer, são as mais discriminadas na sociedade, pois sem consciência de seus atos, são isoladas do convívio social, pela família e pela sociedade em geral. Com as mudanças provocadas pela luta antimanicomial este quadro começa a mudar, porém o preconceito com a loucura continua existente. Neste aspecto, temos muito ainda a caminhar...